Homenagem antecipada da Academia Planaltinense de Letras ao Centenário da Pedra Fundamental, em 7 de setembro de 2022, durante
o Bicentenário da Independência do
Brasil
Discurso de Lançamento da Pedra
Fundamental
Este discurso foi proferido em
Planaltina (hoje no DF) pelo então Deputado
Estadual Evangelino Meireles, goiano de Luziânia, no dia 7 de setembro de
1922, no momento em que aconteceu a Solenidade
de Inauguração do obelisco que simbolizava o Compromisso do Governo
Brasileiro com a construção de Brasília, em Goiás.
Comissionado pelos excelentíssimos senhores
Presidentes da Câmara e do Senado Estaduais, e pelo Excelentíssimo Senhor Dr.
Americano do Brasil, Deputado Federal, para representar, coletivamente, aquelas
Casas do Congresso e, individualmente, este brilhante parlamentar goiano na
grandiosa Solenidade do Assentamento da Pedra Fundamental da Futura Capital da
República no Planalto Central do Brasil, marcada para hoje, pelo Decreto nº:
4.494 de dezoito de janeiro do corrente ano, venho, embora descoloridamente mas
possuído de sincera boa vontade, desimcumbir-me da dignificadora tarefa que me
foi confiada.
Filho desta Canaã radiosa onde cantam
primaveras sem fim, nascido sob a proteção imensa deste céu paradisíaco, é me
sumamente grato significar aqui o transbordar festivo do meu contentamento, e a
jubilosa alegria de todos os goianos cuja vontade está politicamente
cristalizada nos órgãos de sua Soberania, um dos quais , o Poder Legislativo, a
que tenho a honra de pertencer, cabe-me representar.
O auspicioso fato de hoje é o encaminhamento
natural de uma formosa ideia essencialmente brasileira; ele obedece como que a
um determinismo político-social que há mais de um século nos vem conduzindo
para a finalidade máxima da nossa ambição patriótica: a mudança da Sede do
Governo para o ponto central do País a fim de que o Progresso se irradie do
centro para a periferia e haja o aproveitamento desse hinterland arquipontentoso
e pagão, reserva fabulosa da grandeza que nos espera em futuro cujo alvorecer
começa a dar matizes de ouro e pérola ao horizonte da nossa Pátria extremecida;
e também para que os Poderes Públicos, fora do barulhar das turbas, livres do
anarquismo, das comichões interesseiras e do mercantilismo cosmopolita das
grandes cidades, possam, com suavidade e bem aplicada sabedoria, cuidar das
altas cogitações nacionais, rumando para
a perfeição, em busca do beneficiamento geral da Coletividade.
Essa é uma ideia antiga. A sua história é
conhecida e, por isso, não precisa ser recontada. Sabemos que ela germinou no cérebro
dos Inconfidentes Mineiros em 1789; que fervilhou na cabeça evangelizadora do
jornalista Hipólito José da Costa e na cabeça de José Bonifácio (o Velho), Linhares,
Joaquim Caetano, Porto Seguro e outros. Amparada na República pela vivência da
Comissão dos Vinte e Um Notáveis que tinha à frente nesse particular, Lauro Müller
e João Pinheiro, passou, com aplausos gerais, a ser lei, ocupando o artigo
terceiro da nossa Carta Política. Floriano, o imortal Consolidador da República,
precavido e voluntarioso, deu começo ao
cumprimento do dispositivo constitucional, mandando demarcar no Centro Geográfico
do País, a área de 14.400 Km quadrados, destinada ao futuro Distrito Federal.
Houve, depois, uma síncope de quase trinta
anos nas providências conducentes a esse elevado cometimento.
Ultimamente temos visto pontificar na
Imprensa, batendo-se pela nobre causa, entre outros, os escritores Gomes Carmo,
Henrique Silva, Azevedo Pimentel...; é a Sete de Setembro de 1921, os Deputados
Americano do Brasil e Rodrigues Machado, este aqui também representado pelo meu
digno colega Gelmires Reis, apresentaram à consideração da Câmara Federal, o
Projeto nº: 680, mandando lançar a Pedra Basilar da Capital da União no
Planalto, no meio do dia Sete de Setembro de 1922. Esse projeto, depois de
conquistar os pareceres favoráveis das comissões de Justiça e de Finanças, foi
aprovado pelo Congresso e converteu-se no Decreto nº: 4.494, citado.
É esta, Senhores, a determinação legislativa
que hoje estamos cumprindo. Raiou, feliz, a aurora do grande dia. Já assistimos
à festa gloriosa de um amanhecer no Planalto; agora sob a pompa tropical de um
sol criador e benfazejo, ao ciclópico da Natureza agreste destas regiões
privilegiadas de nossa terra, presenciamos as cerimônias desta hora
alvissareira.
Sursum corda! Erguei-vos, corações goianos!
Elevai-vos corações brasileiros! Entoemos hinos de glória à nossa Pátria
querida e cânticos de louvor à ação patriótica do grande Epitácio Pessoa, cuja
permanência na suprema Magistratura do País vai marcando uma época que ficará
na História como o maior padrão de Civismo, de liberdade e de capacidade
administrativa destes últimos tempos!
Assim, pois, Excelentíssimo Senhor Deputado
Balduíno de Almeida, Vossa Excelência que possui já um altar no coração de cada
goiano, pelo muito que tem feito em prol da penetração da via férrea nas terras
de Bartolomeu Bueno, queira, com os seus dignos companheiros, e como Delegado
do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, receber as congratulações e
as seguranças do mais profundo agradecimento do Povo de Goiás, que eu aqui
trago, como Procurador do Congresso Estadual, e como Representante do Excelentíssimo
Senhor Deputado Americano do Brasil, esse espírito iluminado e sadio, que tanto
lustre tem dado à Bancada Goiana na Câmara Federal.
Essas congratulações eu as entendo ao
ilustre Comissário do Excelentíssimo Coronel Eugênio Jardim, Benemérito
Presidente do Estado {de Goiás}; aos
Representantes do Exército e da Câmara Federal e todos os demais cavalheiros e
excelentíssimas senhoras que neste momento abrilhantam e solenizam o importantíssimo
acontecimento que nos trouxe a este famoso pedaço da terra brasileira.
Senhores! Concentremo-nos por um instante na
contemplação deste nosso Brasil fidalgo e promissor! Passeemos o pensamento
pelo seu passado de múltiplas e acidentais vitórias, pelo seu presente de
assustadores progressos, e pelo futuro de formidáveis surtos de grandeza que
lhe está reservada! Que vemos? Que apreendemos? Qual o resultado do nosso
exame?
Vemos, sob as bênçãos da Constelação do
Cruzeiro, a eclosão imensa de um povo que, aparelhado com as maiores
possibilidades que se podem conceber, está destinado a assombrar o Mundo com o
seu poderoso evolver em todos os galhos da atividade humana, em dias que não vêm
longe!
Vemos uma Pátria que, acionada pela nobreza
e sabedoria de seus filhos, marcha, com a vertiginosidade estonteadora dos
astros vagabundos do Espaço, para um futuro de incalculáveis alcances, para uma
era de bem-estar e riquezas!
Sete de Setembro! Eis-nos festejando pela
centésima vez a data da nossa existência como Nação livre e constituída! Pela
mente nos estão perpassando as figuras veneradas de Tiradentes, José Bonifácio,
Pedro I, Gonçalves Ledo e tantos outros que se notabilizaram na construção da
nossa Nacionalidade. E é hoje também que estamos dando começo à edificação da
Futura Capital do País no coração de Goiás que, por sua vez, constitui as
entranhas do Brasil! Dois fatos transcendentes: um cheio de sagradas evocações,
outro verdejado das mais risonhas esperanças. No primeiro século decorrido,
vimos civilizarem-se e engrandecerem-se as populações litorâneas; no segundo,
que ora se inicia, veremos aproveitado todo o Interior gigantesco da Pátria,
sendo a Cerimônia deste momento, o primeiro passo para a completa Integração da
Unidade Nacional.
Eia! Brasileiros! Saudemos com entusiasmo a
GRANDE DATA e deixemos cair nas planuras intérminas destas campinas viridentes
o BRADO altissonante e vigoroso da nossa alma satisfeita e agradecida. Salve,
oh Pátria idolatrada! Salve, oh Liberdade!!!
NOTA do historiador Xiko Mendes, membro
da Academia de Letras e Artes do Planalto
(sediada em Luziânia-GO) e da Academia
Planaltinense de Letras (DF):
O texto que
você acabou de ler faz parte do livro “Pela Terra Goiana”, autoria de
Americano do Brasil, e que fora transcrito para as páginas 15 a 18 do livro “Apologia
de Brasília”, organizado por José Dilermando Meireles, com a colaboração
de Joaquim Gilberto, entre outros, e com edição patrocinada pela Prefeitura
Municipal de Luziânia-GO.
O livro Apologia
de Brasília foi publicado no início dos anos 1960 no contexto histórico
da construção e inauguração de Brasília. E nunca mais foi reeditado. Agradecemos,
aqui, ao já falecido historiador Paulo Bertran, que nos presenteou com um
exemplar, todo amarelado, dessa raríssima obra prima do acervo nacional. O Deputado Estadual Evangelino Meireles,
autor do Discurso acima citado, era goiano e nasceu em Luziânia 10 de fevereiro
de 1882, segundo nos informa Antônio Pimentel, em seu livro “Fragmentos
Antológicos dos Autodidatas de Santa Luzia” (Luziânia-GO, Edição do
autor, 1992, p. 29-30).
Evangelino Meireles morreu precocemente
aos 40 anos de idade, em 1º de dezembro de 1922, três meses após proferir o
discurso que ora republicamos. Entre suas grandes realizações, Evangelino
Meireles foi autor do projeto da estrada de rodagem ligando Vianópolis a Luziânia,
Planaltina e Formosa durante a gestão do Governador João Alves de Castro. Foi
também poeta e jornalista. Fundou em 6 de agosto de 1910 o jornal “O Planalto”
que circulou até 10/11 de 1915, totalizando 186 edições. E a partir de 1919,
com auxílio do historiador Gelmires Reis, iniciou a publicação do famoso “Almanaque
de Santa Luzia”, atual Luziânia, sua terra natal.
Planaltina vista pelo Escritor Guimarães
Rosa
Xiko Mendes (da APL)
Como se sabe,
o escritor mineiro Guimarães Rosa (1908-1967), assim como Euclides da Cunha,
Afonso Arinos e Bernardo Elis, é um dos magos intérpretes do Brasil profundo ou
sertão indômito. Autor de obras conhecidas mundialmente como “Sagarana” e “Noites do Sertão”, Rosa é, sobretudo, conhecido pelo seu romance “Grande Sertão: Veredas”, publicado em
1956, ano em que o Presidente JK iniciou a construção de Brasília, modernizando
o sertão ou “sertanejando” a
modernidade para o interior. Rosa assim se refere a Planaltina antes de
Brasília:
“Gente boa, a do Ão, lugar de lugar. Senhor
Zosímo, o fazendeiro goiano, desarmou desdém, reconhecendo que se podia gostar
demais dali. Esse tinha feito a Soropita, a sério, uma proposta: berganhar
aquilo por sua grande fazenda, dele, cinco tantos maior, em Goiás, fundo de
rumo de Planaltina. (...). O Campo Frio, se chamava. (...). Senhor
Zosímo era homem positivo, tinha sido de tudo, até amansador de cavalos, peão.
(...). era mineiro também, arranjara aquela fazenda em Goiás por simpleza do
destino” (In: Rosa, Guimarães. Noites do Sertão, 9ª ed., Rj, Editora
Nova Fronteira, 2001, p. 41-42).
Esse texto é
um trecho do conto “Lão-Dalalão ou
Dão-Lalalão”. E precisaríamos fazer um rigoroso estudo roseano de arqueologia fundiária para localizarmos a fazenda Campo
Frio, nos domínios do atual Distrito Federal, mas certo é que ficamos
orgulhosos dessa citação em obra que exalta o talento literário de Guimarães
Rosa, escritor que é Patrono da Cadeira nº: 32 de nossa Academia Planaltinense de Letras (APL).